Um time esportivo diferente nasce na zona Norte de São Paulo.


Texto por Katherine Rivas e fotos por Edison Morais, voluntários do projeto Comunicadores São Paulo (2018).


A rotina de dona Vera Lucia Pasqualotto (68), voluntária da ONG Lutando pelo Futuro – projeto que nasceu com o intuito de proporcionar as crianças de baixa renda a oportunidade de aprender boxe, de forma lúdica e como esporte, na região Casa Verde Alta, zona norte de São Paulo – inicia todo sábado às 7h da manhã, duas horas antes das aulas, quando ela chega na ONG junto com nove colaboradoras que integram o time das “titias do boxe”, apelido carinhoso que receberam das crianças.

Dona Vera, que está no projeto desde sua fundação em 2014, jamais imaginou que além do esporte o projeto acabou cumprindo mais funções das que esperava, entre estas a missão de garantir uma alimentação de qualidade para as crianças da comunidade. Ela e o seu time cuidam da preparação dos lanches e refeições entregues as crianças antes dos treinos, modalidade que iniciou há alguns anos quando os organizadores perceberam que esta poderia ser a primeira refeição do dia dos alunos.

A rotina

A correria começa todos os sábados às 6h da manhã quando Cláudio Custódio, presidente da ONG, sai da sua residência na Zona Norte e atravessa a cidade até o Morumbi à procura das doações realizadas pela Fazenda dos Pães, necessárias para preparação dos lanches, entre estas: pães, presunto, queijo, suco e leite.

Por volta das 7h quando chega na ONG com as doações, é a hora das titias do boxe. Dona Vera bota então uma luva, uma touca e inicia a preparação dos lanches. No primeiro domingo de cada mês, a rotina se intensifica por motivo da festa de comemoração dos aniversariantes. Os lanches dão então lugar ao cachorro quente, bolo, carne louca e refrigerante. “Para mim cada sábado é um aprendizado que vai muito além do esporte. Hoje um menino veio pegar água, passou mal e desmaiou. Descobrimos que o motivo era fome, ele não tinha nem jantando no dia anterior. Chorei muito, foi difícil para mim” conta.

Ela descreve que o ocorrido com a criança não é exceção entre os mais de 80 participantes das aulas (90% deles de origem boliviana) que encontram no lanche das titias o café da manhã que não tem em casa. “Muitos dos pais estão em sistema de trabalho escravo, não podemos fazer muita coisa, mas pelo menos quando sobra um lanche as crianças levam também para os familiares” diz.

Além dos lanches, as titias ajudam os alunos com a distribuição de uma cesta básica com alimentos essenciais para aproximadamente 56 famílias. “As mães das crianças são comunicadas da data da distribuição, na véspera organizamos as cestas e compramos os itens que faltam. Após o treino que acaba umas 13h, entregamos para elas” detalha dona Vera. Além das cestas sempre que possível são distribuídas sacolas de legumes após os treinos.

Transformação pessoal

Para Ana Clara Silveira de Castro (62), voluntária do time das titias do boxe desde junho, participar do projeto Lutando pelo Futuro é uma experiência de transformação pessoal que lhe ajudou a superar até mesmo problemas de depressão e lhe forneceu suporte financeiro a tornando beneficiária da cesta básica. Ana tem dois netos que frequentam as aulas da ONG, David (12) e Vera (9).

“Quando soube do Lutando pelo Futuro estava passando dificuldades por cuidar sozinha dos meus netos, eu queria matricular eles em algum esporte nas férias, então uma vizinha me falou da ONG” conta.

Desde então dona Ana chega mais cedo para se juntar ao time das titias e auxiliar na preparação dos lanches das crianças e na limpeza do local. “O trabalho passou a ser muito importante para mim, a aceitação que eles têm comigo acabou se tornando uma terapia para a minha depressão. Me sinto realizada de servir as crianças” afirma.

O trabalho das titias dos lanches se tornou essencial para melhorar a vida das crianças, especialmente aquelas que tem dificuldades com a alimentação. Para Leila Benedicto (39) radialista e também voluntária do projeto a principal contribuição da ONG é no quesito educação, permitindo que as crianças interajam, pratiquem esporte e aprendam a defesa pessoal em um bairro que carece de segurança. “É um trabalho essencial que incentiva o respeito, a educação, os pais encontram aqui alimento que nem o governo fornece com facilidade”.

No dia 10 de novembro, data da nossa visita à instituição, crianças grandes e pequenas se misturavam em um ambiente de festa enquanto trocavam as luvas de boxe pelo lápis de cor para escrever e desenhar uma cartinha de papai Noel que será entregue aos Correios com a esperança de ganhar alguns presentes neste Natal.

As titias que auxiliavam eles no processo se deleitavam com as leituras, enquanto verificavam que a escrita fosse clara, um aprendizado e um turbilhão de emoções entre os pedidos mais inocentes e comoventes.