No dia a dia em sua batalha solitária, essa haitiana tem muito mais a ensinar do que apenas o francês.

Saia estampada, cabelo curto, um grande par de brincos e um colar. Geneviève Cherubin se divertia no evento da Travessia Cultural, contava lendas de mulheres que engravidaram de criaturas mágicas, que gritavam e cantavam. Era dia de festa e de vitórias mútuas. Há seis meses no Brasil, a professora de francês haitiana, que costumava ensinar apenas crianças, entregava aos alunos estrangeiros já crescidos do Abraço Cultural diplomas que representavam as conquistas de todos.


Geneviève é do tipo que não chega ao destino final sem antes ter feito no mínimo três paradas, ou que a parem. É como se a cada cinco metros se impusesse um limite de velocidade para que ela pudesse encontrar o outro, e que em cada uma delas seu sorriso fosse combustível inesgotável. Como qualquer outra pessoa, ela gosta de sair para se divertir, beber cerveja, ir a praia, ver filmes, e é preciso menos que dez segundos para escolher o favorito: Mulan.

Foto de Geneviève Cherubin por Camila Torres

Sem um exército inimigo claro a ser derrotado, as batalhas que fazem parte da vida de Geneviève se tornam ainda mais árduas. Distante do marido e do filho que enxergaram nos EUA uma possibilidade melhor de ganhar a vida, ela ficou com as terras tupiniquins. “Eu não acho que escolhi o Brasil, foi ele que me escolheu, porque até posso viver sem ninguém comigo mas eu não estou sozinha” faz questão de deixar claro.

A professora de francês não fugiu de guerras, confrontos ou perseguições políticas. Fugiu sim, de seu próprio povo. “Nós estamos perdidos. Estamos em dificuldade com a gente mesmo. Estamos procurando por nós mesmos porque não sabemos quem nós somos. Estamos perdidos, e essa é a única guerra que nós temos.”

O Haiti encabeça na América um ranking do qual ninguém se orgulha de ser vitorioso: é um dos países mais pobres do mundo. “Não sei se vamos mudar”, diz com o pesar de quem deixou a mãe, irmão, alunos e tantos outros laços para trás, “porque mudança não é feita construindo escolas ou qualquer coisa assim, ela é feita em nossas almas”, diz ao contar dos rastros de uma instabilidade política longa que trazem efeitos devastadores quase tão grandes quanto os que foram causados pelo terremoto de 2010 que ainda assombram sua terra natal. “O meu país é a minha alma e eu não estou triste de estar em outro lugar. Ficaria triste de não poder voltar para lá, mas eu não estou. Meu maior sonho é voltar e ajudar o meu povo, mas estou aproveitando esse momento, a nova língua, a nova cultura e as pessoas daqui.”

“Nós somos diferentes sim, mas eu acho que temos que viver juntos. Não é só uma pessoa que faz o mundo, mas diferentes culturas. O segredo é aceitar e apreciar todo mundo. Amor. Não o amor que eles mostram na TV, mas o verdadeiro amor. Amar uns aos outros, se é branco, negro ou amarelo. Amar, aceitar e respeitar todas as culturas e religiões. Nada mais.”

Foto de Geneviève Cherubin por Camila Torres

Geneviève não irá precisar de bússola para achar o caminho de volta, isso é óbvio até para quem olha de longe, porque claramente seus pés se guiam pelo coração. Haiti, Je t’ai pas oublié.


Texto: Renata Oliveira
Fotos: Camila Torres