Liliane Sardinha quer fazer um jornal comunitário pra abrir a cabeça do pessoal.

Em cada favela do Rio de Janeiro há milhares de histórias fascinantes, pessoas incríveis, diversidade cultural e paisagens bonitas. Sim, tem tudo isso. É também verdade que há violência, tráfico e inúmeras dificuldades, mas essa parte nós ficamos sabendo todos os dias através do noticiário. E é para contar essas outras histórias, as que fazem a diferença e nem sempre ficamos sabendo, que existe o Voz Periférica.

Esse projeto foi idealizado com a finalidade de se tornar um espaço de informações aos moradores das favelas da cidade, mostrando um novo olhar através de debates e entrevistas que buscam empoderar os moradores da comunidade. Leandro Pedro, morador da comunidade do Turano, no Rio Comprido, foi quem projetou o Voz Periférica

Leandro Pedro

“O objetivo era ser um portal de informações dentro da favela. Mas não algo agressivo, que não fale de bala perdida, mas para além disso. Era dar um outro olhar para o local que você vive, é reconhecer que pertence a esse lugar e que esse lugar tem algo a dizer. O que eu posso falar dessa comunidade onde vivo? O lance era despertar esse olhar na galera”.

O projeto foi um dos ganhadores do edital Favela Criativa em 2014, que é patrocinado pela Light em parceria com a Secretaria de Estado de Cultura e é na verdade um curso de Web Jornalismo que funciona no Espaço Fazendo Arte, no morro do Turano. Jovens de diferentes comunidades são capacitados a desenvolver websites, aprendem técnicas de fotografia mobile e de entrevistas e produção de blogs. Além disso, são promovidos debates sobre diversas situações cotidianas vividas por eles, e a partir daí surgem ideias de produções muito interessantes, refletindo uma juventude que está se fortalecendo cada vez mais. Uma dessas produções se chama “Onde você mora, negro?”, que propõe discutir o que os jovens negros estão fazendo na sociedade:

“ A ideia surgiu porque sempre olhamos o cara negro favelado como o cara que está na boca de fumo e a gente trouxe jovens negros que são advogados, produtores culturais, que participam de movimento estudantil. Que são jovens que também estão na periferia e que são negros e sofrem preconceito. E é isso, as entrevistas têm muito o viés de falar dessa periferia. ” Conta Leandro.

Felipe Bertucci.

Felipe Bertucci (22) é bailarino e aluno do curso, ele mora há pouco tempo no Turano e conta como o Voz contribuiu para que conhecesse a comunidade em que agora vive:

“ Eu vim de Volta Redonda, moro aqui há pouco tempo, participei do Voz e realmente a gente começa a abrir nosso horizonte. Quando fomos falar de empreendedorismo na comunidade, descobri uma senhora que é dona de uma mercearia e veio do Ceará trazendo sua família em busca de uma melhoria de vida. O Voz da periferia abriu isso da gente conhecer mais a comunidade. E dentro da comunidade tem várias histórias lindas, tem da mercearia, do padeiro. Histórias que antes nos passavam despercebidas ”

Com as técnicas que aprendeu no curso, Felipe pretende criar um blog sobre o ballet, mas com conteúdo diferente dos já existentes:

“ Existe vários blogs sobre o ballet, mas que ensinam como fazer um coque ou com o dia-a-dia dos ensaios. Nenhum site fala sobre a realidade do ballet. Muitos acham que é só flores, mas é muita briga e disputa também. E na minha turma do ballet eu sou o único negro. Além disso, os homens sofrem muito preconceito no ballet. Porque homem para fazer ballet tem que ser gay? Aí o site seria um desabafo meu também. ”

Outra aluna do curso que já sabe o que fazer com o que aprendeu é Liliane Sardinha, 30, moradora da comunidade do Borel, na Tijuca:

“ Quero criar um jornal comunitário pra tentar abrir um pouco a cabeça dos jovens lá. É muito difícil porque cada pessoa tem um estilo e quando você mora dentro de uma comunidade as pessoas te rotulam mesmo. Você, jovem negra, tem que andar de shortinho fazendo carão, não posso botar o meu black, a minha boa roupa africana, não posso levar o jongo pra dentro da minha comunidade porque é macumba, é ruim. E são coisas assim que eu e um grupo de amigos meus vimos que tem que ser modificado. “

O Voz Periférica teve duas turmas com duração de três meses cada, e finalizou no dia 4 de fevereiro de 2017. Entretanto, Leandro afirma que a finalização do projeto não significa que ele venha a terminar:

“ Estamos buscando parceria com professores e já temos algumas em vista. Acaba-se o patrocínio, acaba-se a verba, mas o projeto está aí e vamos mantê-lo de alguma forma. “

Você pode ficar por dentro das produções e novidades do Voz Periférica através da sua página no Facebook, Instagram, Youtube e também no site.

Texto escrito pela jornalista voluntária Kathleen Santiago e fotos do fotógrafo voluntário Fernando Tribino.