No início de 2018, iniciamos contato com Eric Lucas, fundador da Organização Diplomática do Autistão. Eric chegou ao nosso site para conseguir voluntários(as) que o ajudassem nas diversas tarefas que a organização tinha. Naquele momento, não conseguimos concretizar um projeto em si, mas em 2019 surgiu a ideia de mobilizar pessoas para construir o primeiro evento internacional inteiramente planejado por autistas e com o suporte de pessoas aliadas a causa.

 

No dia 31/03/2019, a Organização Diplomática do Autistão realizou o “Dia do Autistão” para visibilizar a causa das pessoas autistas. Todo o evento foi organizado por autistas de diferentes estados do Brasil e por integrantes internacionais. A ideia do evento foi abordar diferentes temas que perpassam o cotidiano das pessoas autistas. Através de uma roda de conversa virtual, o Dia do Autistão proporcionou que diversos autistas dissessem para o mundo como se sentem em suas relações pessoais e interpessoais. Todo o evento você pode conferir aqui.

Abaixo destaquei alguns trechos do texto de abertura do evento que foi escrito por Eric Lucas:

O que é o Autistão?

Eric Lucas: A palavra “Autistan” (traduzida para Autistão no português) é simplesmente um nome, inventado por nosso amigo autista francês Josef Schovanec, em 2014. Este nome significa literalmente “o país dos autistas”.

Um “país  dos autistas” ou um “mundo dos autistas” é uma metáfora para falar das coisas específicas dos autistas: os olhares diferentes sobre o mundo, as formas de pensar, as sensibilidades e as qualidades especiais, bem como as criações originais dos autistas.

Cada autista tem seu próprio pedaço de “Autistão”, geralmente sem saber disso. Quando você entra no mundo de um autista, você vai se deslocar em um “referencial mental” muito diferente do seu referencial usual, o do “mundo normal padrão”. Assim, depois dessa experiência, você vai ter a impressão de ter feito “uma viagem ao Autistão”. Isso acontece, por exemplo, quando uma pessoa autista explica os seus pensamentos, paixões, obras ou até quando, sem falar, é compartilhada sua paz interior ou inocência.

Utilizar o nome “Autistão”, como uma espécie de “país virtual”, permite mais coisas do que com apenas a palavra “autismo”. Isso porque “Autistão” dá uma noção de lugar, e isso é muito interessante para a gente autista, pois, na vida inteira, temos uma impressão de ser sempre estrangeiros, sem nenhum “lugar próprio”, a impressão de que em cada lugar social, em cada situação social, você vai ter um problema ou um desconforto. O que é muito perto da realidade, infelizmente.

A importância fundamental de entender a diferença entre o autismo e os chamados “transtornos”

Eric Lucas: O autismo e os “transtornos” (ou as dificuldades relacionadas) são duas coisas diferentes. O autismo é a natureza específica dos autistas, que é “protegida” do que eu chamo de “transtornos não autistas”.

O autista, por mais que esteja “autenticamente autista”, menos adaptado ou alterado pelas convenções sociais, estará vivendo mentalmente em um tipo de “referencial natural”, com uma personalidade própria, mais original e em harmonia com a natureza, a ordem, a justiça e a verdade. Ele é mais sensível, e ao mesmo tempo tem uma espécie de “autoproteção” contra o absurdo e os vícios sociais, dos quais as pessoas não autistas são vítimas, infelizmente, vivendo em um sistema social artificial e desconectado da natureza.

Os autistas que fazem coisas diferentes disso como, por exemplo, mentir, simplesmente fazem coisas não representativas do autismo, pois os autistas mais autênticos nem sequer tem a ideia de mentir ou de fazer coisas para se sentir superiores, para manipular, para tentar imaginar o que os outros pensam deles. O que forma a maioria das preocupações das pessoas não autistas, infelizmente, que não culpo, pois elas estão vítimas deste sistema social.

Tem também “transtornos” que são bem subjetivos como, por exemplo, o fato de preferirem ficar isolados sem se comunicar muito é visto como um “transtorno” apenas por causa do sistema social atual que está baseado em uma espécie de moda da hiper-comunicação onde tudo está “social”, mas na realidade a preferência natural para a solitude não é um transtorno, mas apenas uma forma de ser, que não vale menos do que perder seu tempo em fofocas e conflitos sociais constantes.

Não digo que os autistas preferem a solitude em geral, mas para preferir sair da solitude, para se aproximar da “bagunça social”, este sistema de sociedade tem muito a fazer para parecer atraente para a gente.

Uma vez que entendemos que finalmente o chamado “autismo” é apenas um “conceito não autista”, e que o sistema “normal” tem muitos defeitos e não deveria ditar nossas vidas, podemos começar a superar e viver melhor, com a aceitação do autismo, não como uma doença ou um transtorno, mas como nossa natureza diferente, que não vale mais nem menos do que as outras diferenças. Apenas o sistema social atual está errado, não as pessoas.

Reconhecer que cada autista vive mais ou menos em seu próprio mundo, ou seu próprio referencial ou sistema de valores, é simplesmente reconhecer a verdade, e não tem nada de errado com isso; mas isso não significa que os autistas querem ou devem viver apenas assim, isolados, pois como temos o direito à diferença (como qualquer ser vivo), temos também o direito à inclusão, a uma vida sem mais sofrimentos que os outros, a uma vida feliz.

E o que é a Organização Diplomática do Autistão?

Eric Lucas: O Autistão é apenas um nome, mas para fazer coisas concretas e úteis, temos a Organização Diplomática do Autistão, que tenta fazer o possível para explicar essas coisas e para melhorar as relações entre todos os grupos ou órgãos que querem ajudar os autistas a ter uma vida melhor e digna.

Como nossa organização não está envolvida nos conflitos internos próprios de cada país, podemos propor nossas visões, nossas ferramentas, nosso apoio quando possível, de maneira complementar ao que já existe, quando isso é útil, e com uma abordagem global que possa ajudar os poderes públicos a entender melhor a importância dos pedidos dos grupos de ativistas nacionais.

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Com este texto, Eric tentou resumir o essencial para entender sobre o Dia do Autistão. A Organização Diplomática do Autistão esteve no Dia das Boas Ações no Rio de Janeiro e expôs o conceito do Autistão para o público presente. Confira aqui o clipe que eles prepararam para a ocasião.

Se interessou? Para saber mais sobre o Autistão entre em contato pelo perfil deles que está em nossa plataforma e acesse o site oficial da organização. Se quiser apoiar esta causa entre no site da loja virtual.

*Texto escrito por Eric Lucas, Fundador da Organização Diplomática do Autistão, e por Cássia Souza, analista de projetos no Atados.