Hoje, dia 21 de setembro, é comemorado o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência (PCD). Para isso, convidamos uma parceira incrível do Atados, a Veronica Machado, fundadora da ONG Mensageiros da Esperança e do Centro de Capacitações Instituto Inovação Sustentável, para compartilhar sua história e trajetória como PCD no mercado de trabalho. Boa leitura!


Por Veronica Machado, fundadora da Mensageiros da Esperança e do Centro de Capacitações Instituto Inovação Sustentável

O mercado de trabalho desperta cada vez mais para o potencial das pessoas com deficiência. Em 2001, havia no estado de São Paulo apenas 601 pessoas com deficiência trabalhando em 12 empresas. Em setembro de 2007 este número saltou para 73.760 trabalhadores com deficiência.

Existem atualmente, no Estado, 9.842 empresas com mais de 100 funcionários. Dessas, 5.743, o equivalente a cerca de 60%, de acordo com dados da Delegacia Regional do Trabalho (DRT-SP), estão cumprindo o que estabelece o artigo 93 da Lei 8.213, a lei da Previdência Social, também conhecida como “Lei de Cotas”. Essas empresas com mais de 100 empregados são obrigadas a preencher de 2% a 5% de seu quadro com pessoas com deficiência.

A Lei de Cotas

A Lei data do ano de 1991, mas a regulamentação das cotas só aconteceu oito anos depois, e os procedimentos de fiscalização e multas por parte do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) foram definidos apenas em janeiro de 2001, quase dez anos depois da promulgação da lei. Foi dessa forma que o artigo 93 ganhou status informal de lei e sendo o principal responsável pelo crescimento exponencial de trabalhadores com deficiência inseridos no mercado de trabalho. Nos últimos anos, após a implementação da Lei de Cotas, as empresas com mais de 100 funcionários vivem intensamente o desafio de incluir entre seus colaboradores pessoas com deficiência (PCDs ou beneficiários reabilitados).

A Lei, que completou 25 anos em 2016, trouxe grandes conquistas para essa parcela da população: de acordo com o Ministério do Trabalho, nos últimos cinco anos, houve um aumento de 20% na participação desses profissionais no mercado.

Desafios da inclusão

Quando se pensa em contratação de PCDs, há questões que envolvem acessibilidade e inclusão que, muitas vezes, são pouco discutidas dentro das organizações. Uma das maiores dificuldades dos empregadores hoje ainda é reconhecer a capacidade e o potencial das PCDs. Têm muitas pessoas com ótima formação acadêmica, potencial de desenvolvimento e lideranças. No entanto, elas ainda são contratadas pelas cotas e em cargos aquém da sua capacidade.

O maior desafio para a inclusão está na mudança de cultura e no reconhecimento de que a pessoa com deficiência é uma profissional como outra qualquer. A partir do momento que ela tem as ferramentas em mãos, ela precisa desenvolver as suas funções profissionais como outra pessoa.

A falta de acesso à saúde e à educação prejudicam a população, mas atingem de forma mais expressiva a população com deficiência. Apesar de uma parcela das PCDs apresentar boa formação, em geral, elas ainda têm menos escolaridade e acabam não atendendo às exigências do mercado de trabalho.

Minha experiência como PCD

Essa é uma realidade que conheço bem de perto, pois sou da década de 70 e recebi muitos nãos e só consegui um emprego CLT aos 25 anos – e por indicação! Sou mulher, negra, periférica e PCD, requisitos que ao longo dos meus 49 anos me ajudaram a encarar o mundo com mais sabedoria, resiliência e ação.

Aprendi bem cedo que não seria fácil, pois tudo era complexo: racismo velado, ignorância escancarada e medos bem fundamentados.
Enfrentei entrevistas que me faziam chorar, que me esgotaram emocionalmente e que em muitos casos me tiravam a esperança e nesses casos eu ia até o fundo do poço, batia os pés no chão e subia, meio capenga, com tristezas, mas cheia de certezas.

Eu sabia por experiência própria, que ficar chorando não ia mudar nada e que se eu realmente quisesse me jogar no mundo teria que seguir adiante confiando em Deus e em mim mesma, porque salvadores não existem no mundo cheio de capacitistas.

Dos 13 aos 25 tive vários bicos de “ajudante” de recepção (porque eu não tinha padrão de recepcionista, por isso ficava nos bastidores) até cambista de jogo de bicho. Ganhava dinheiro, sem roubar, até consegui comprar junto com meu ex marido um apartamento na periferia.

Foram anos desafiadores, mas tranquilos no ponto de vista financeiro. 
Aos 25 anos eu não conseguia parar de pensar qual era o motivo de não poder trabalhar CLT em uma empresa tendo uma carreira como tanta gente fazia. Em 1995, consegui ser auxiliar de cobrança ganhando 1/3 do que eu tirava sendo cambista de jogo de bicho e comprando dólar, mas eu precisava me auto afirmar.

As pessoas com deficiência tem essa necessidade, pois somos marginalizadas e muitas vezes invisíveis, haja visto a pouquíssima acessibilidade de modo geral e de sensibilidade em vários momentos, sendo esses, desafios diários na nossa vida.

Trabalhei com afinco, fui promovida e andei a primeira vez de avião. Inesquecível, tudo muito desafiador, mas era o que na época eu tinha sonhado.

Anos depois resolvi ter minha primeira filha e abri meu primeiro negócio, uma bombonière, que tive que abandonar por ter tido uma gravidez de alto risco. A Lorraine nasceu um pouco antes do previsto e eu fui ser mãe e estudar.

Uns 2 anos depois, com o meu marido desempregado, fui em busca de trabalho, meu inferno começou novamente. Portas não abriam e eu me desesperava e fazia chocolates para vender (sempre me virei, afinal sem comer não dá para viver).

Em 1999, voltei para o mercado de trabalho na area de tecnologia, graças a uma gerente que me enxergou além da deficiência e apostou na minha postura e desenvoltura.

Nessa empresa criei um cargo pra mim que nunca existiu. Eu era coordenadora de SLAM. Gerenciava os níveis de serviços prestados aos clientes de todas as empresas, evitava multas milionárias e fazia a mediação entre as diversas áreas que envolvia cada chamado. Assim, me tornando uma articuladora e mobilizadora meio sem saber.

Enfrentei muitos preconceitos, boicotes, ofensas veladas, mas sai dessa empresa fortalecida e confiante. Eu também ja estava acostumada a ser rotulada pela minha própria familia que não me entendia.

A Mensageiros da Esperança

Nesse interim perdi meu irmão caçula, o Tiago, assassinado e junto com um grupo de amigos resolvemos fazer mais que reclamar da vida e fundamos uma ONG, a Mensageiros da Esperança, pois eu era prova de que a esperança somada a resiliência e fortalecida pela ação é um bom caminho para se viver melhor nesse mundo de exclusão.

Polo de Artesanato Sustentável

Enfrentei muitos desafios e aprendi que em qualquer ambiente é preciso ser mais que forte, mais que resiliente, mais que alguém que se supera. É preciso ter esperança e garra, força de vontade e ação, evitando a vitimização, porque não há sensibilidade para quem está a margem em uma terra de egos e competições. Existe, de forma explícita ou velada, um capacitismo enraizado na nossa sociedade e precisamos enfrentar grandes desafios diariamente. Mas nada pode ou deve nos parar, mesmo tendo um inferno para atravessar diariamente.

Hoje eu uso a minha força e voz para provar que ser “fora dos padrões” que a sociedade impõe não pode apagar o meu sonho e o projeto ou desejo de ninguém, pois a vida é mais que padrões pré estabelecidos. Ela é uma dádiva, que cada um deve se sentir merecedor de vivê-la.

Ei, eu “estou”. Eu não sou. Porque há em mim muitas de mim e rotular uma das minhas facetas não me aprisionará no mundo que alguém quer escolher pra mim. Eu posso, eu mereço e agradeço ser feliz mesmo sendo “assim”!

Sobre a Veronica

Veronica Machado, 49 anos, casada e com dois filhos sensacionais, a Lorraine e o Heron. Empreendedora, facilitadora de grupos e educadora social. Fundadora da ONG Mensageiros da Esperança e do Centro de Capacitações Instituto Inovação Sustentável atuando como Relações Institucionais e Coordenadora de projetos em ambas instituições. Apaixonada pelo ser humano e pelo empreendedorismo. Facilitar grupos e empoderar vidas é o seu propósito no mundo.