Por Franciellen Carneiro, voluntária do projeto Comunicadores São Paulo (2018).


O ano de 1997 teve alguns marcos políticos e sociais: a emenda constitucional da reeleição foi aprovada, a revista Veja publicou a capa “Eu Fiz Aborto”, o Projeto de Lei que tipifica o crime de tortura é sancionado e o MST colocou 40 mil pessoas nas ruas de Brasília em protesto contra o governo de Fernando Henrique Cardoso.

Em São Paulo, Michael Mary Nolan, advogada e missionária, Sônia Drigo, advogada e Luiz Eduardo Greenhalgh, deputado federal, realizavam, junto ao padre Júlio Lancellotti, visitas ao Centro de Detenção do Tatuapé, após receberem uma denúncia de tortura a uma mulher grávida na unidade.

Foi a partir deste momento que perceberam não só a falta de informações sobre a situação das mulheres encarceradas, mas também sua realidade: mantidas em locais escuros, sem ventilação ou luz natural, sem acesso aos seus direitos básicos. Percorrendo pavilhões e conversando tanto com presas quanto com as funcionárias, deram conta de que havia muito a ser denunciado, conhecido e feito.

Surgiu, assim, o projeto Cidadania nos Presídios. Com o objetivo de mostrar à sociedade as violações dos direitos dessas pessoas que eram excluídas, a proposta da instituição era articular-se com organizações, estudantes, pesquisadores e poder público, buscando formas de garantir esses direitos e promover diálogos sobre Terra, Trabalho e Cidadania. No ano seguinte, em 1998, surge a primeira publicação do Instituto: O Manual dos Direitos das Presas e, em 1999, é lançado o Manual dos Direitos dos Presos.

O projeto de Apoio à Ressocialização dos Internos é uma das primeiras ações criadas pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), na Penitenciária Mário de Moura Albuquerque. A iniciativa implementou, entre diversas atividades culturais, a produção de uma horta com os homens que estavam no “seguro”. Além disso, é firmado convênio com a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), marcando o início oficial do projeto Estrangeiras.

Desde então, as ações do Instituto não pararam. Em 2004 o ITTC e a Pastoral Carcerária acompanham uma das maiores rebeliões da história da Penitenciária Feminina da Capital. As duas organizações, em parceria com The Funding Network, Instituto das Irmãs de Santa Cruz e apoio do Conselho Britânico lançavam a publicação Direitos Humanos e Mulheres Encarceradas.

Participaram do Mutirão no presídio feminino Dacar IV em 2006, se mobilizaram em prol do direito de voto das pessoas presas e iniciaram a luta contra a revista íntima vexatória em 2007.

As oficinas que realizaram nas Penitenciárias Femininas da Capital e de Sant’Ana rendeu fruto, apresentado em 2008 como a cartilha “Quem Somos Nós?”, que discutia gênero, violência e cidadania. Integrando a Rede Justiça Criminal em 2010, o ITTC ganhou o 1º Prêmio de Boas Práticas em Política Criminal e Penitenciária, lançou a tradução para o português da Cartilha de Direitos dos Presos Muçulmanos. Dois anos depois, apresentou resultados da pesquisa “Tecer Justiça: repensando a prisão provisória”.

O ano seguinte continua intenso e marcante. A organização estreia no Youtube a série de vídeos ITTC Documenta, com os temas “Mulheres mulas: vítimas do tráfico e da lei” e “Os indígenas e o novo código penal”. Em 2014, inaugurou o programa Justiça Sem Muros e firmou parceria com a Defensoria Pública da União para apoio do Projeto Estrangeiras.

Um dos vídeos da série ITTC Documenta. Foto: Reprodução/Youtube

O Projeto Gênero e Drogas tem início em 2015, levando o ITTC a integrar a Plataforma Brasileira de Política de Drogas. Já o Projeto Estrangeiras celebrou 15 anos em 2016, ano em que foi comemorado o início efetivo da utilização das Audiências de Custódia no Brasil, garantindo o direito de acesso da pessoa acusada à presença de um juiz ou juíza em menos de 24 horas após prisão em flagrante, impactando diretamente na questão das prisões provisórias.

A trajetória do ITTC se encontra com marcos da luta pelos Direitos Humanos, como em 2017, com o decreto presidencial da concessão de indulto para mulheres. Em 2018 foi lançada a primeira animação do Projeto Gênero e Drogas, chamada A Política de drogas é uma questão de mulheres e foram publicadas as pesquisas “MulhereSemPrisão: desafios e possibilidades para reduzir a prisão provisória de mulheres”, da Agenda Municipal para Justiça Criminal, e “Fora de Foco: caminhos e descaminhos de uma política de alternativas à prisão”.

O atual destaque do Instituto foi o início do Projeto Egressas, que tem como objetivo acompanhar e orientar mulheres migrantes egressas do sistema penitenciário sobre o acesso a documentação, moradia e direitos básicos.

Para a equipe do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, o recorte de gênero e raça segue se mostrando significativo, trazendo questões que ainda precisam de atenção. O objetivo deste trabalho, que vem sendo desenvolvido há mais de vinte anos, segue o mesmo: promover e implementar políticas públicas voltadas às mulheres e, em especial, às estrangeiras, como forma principalmente de combater a desigualdade social, resgatando seus direitos e cidadania.