Atados convida: Mauro Ventura para contar a história de como o Educar+ e seus voluntários transformam a realidade de crianças e jovens do Complexo do Chapadão
Tudo começou com uma rifa de R$ 2. O prêmio era uma xícara, três trufas e um livro, que podia ser “A culpa é das estrelas”, de John Green, ou “O caçador de pipas”, de Khaled Hosseini. O vencedor presenteou a mulher com o romance de Green. E a organizadora, Ana Caroline Santos, a Carol, arrecadou R$ 200 e garantiu o lanche – cachorro-quente, gelatina, bolo e refrigerante – do primeiro encontro do Educar+, em junho de 2017, no Morro do Final Feliz, no Complexo do Chapadão, em Anchieta, Zona Norte do Rio. Participaram 30 crianças, entre 5 e 12 anos, que fizeram ações relacionadas à leitura.
No segundo encontro, houve ainda contação de histórias e atividades como desenho e artesanato. Mas, no ano seguinte, Carol percebeu que as rodas de leitura não eram suficientes e começou a fazer também um trabalho de alfabetização:
– Eu queria democratizar o acesso à leitura, mas as crianças tinham muitas dificuldades. Tinha criança de 12 anos que não sabia ler. Hoje tenho alunos que saíram do estágio pré-silábico e se tornaram leitores compatíveis com sua idade.
Trabalhar com a leitura era um caminho natural para essa professora de 23 anos, que se forma neste semestre em Pedagogia na UniCarioca e dá aulas no programa de aprendizagem da Fundação Mudes. Mas nem ela sabe ao certo como surgiu essa paixão, já que nunca teve incentivo para ler. Os pais – ela, costureira, ele, pedreiro – têm apenas o ensino fundamental incompleto. Quando mais nova Carol acompanhava amigos que iam à biblioteca. Ficava folheando os livros, até que pegou gosto.
A vontade de fazer algo pela comunidade em que ela e a mãe nasceram, marcada pelo tráfico e pela violência, vem desde cedo. Mas só quando entrou na faculdade é que conseguiu transformar o sonho em realidade, com o Educar+. Além das rodas de leitura com temática social, como cidadania, sustentabilidade e sonhos, há a oficina de audiovisual. A ideia partiu de uma voluntária, Flávia Gonçalves Macêdo, de 29 anos. A primeira oficina durou três meses. Dez crianças, de 10 a 14 anos, fizeram exercícios com a câmera e jogos de linguagem, e escreveram, ensaiaram e filmaram uma produção. O tema, o racismo, surgiu a partir de uma discussão na roda de leitura, que despertou neles o impulso de representar ações que expusessem o problema e como agir nessas situações.
– Uma das principais motivações da oficina foi empoderá-los de forma a construírem suas próprias narrativas. Eles precisam ter consciência da importância da representatividade para que possam se ver na tela e aceitem com orgulho suas particularidades – diz Flávia.
Ela descobriu o Educar+ na plataforma Atados. Empolgou-se tanto com o projeto que, além da oficina, passou a auxiliar na parte administrativa e hoje assina como vice-presidente, embora prefira se definir como uma das integrantes do núcleo gestor.
Os voluntários, aliás, são fundamentais para o sucesso. Somente na equipe de comunicação são cinco jovens, todas vindas pelo Atados. Chegaram durante a pandemia e ajudam de forma remota, já que moram no Rio, em Minas, em São Paulo e no Espírito Santo. Elas aumentaram o engajamento da ONG, que tinha 700 seguidores em março e agora está com 1.318.
O Educar+ conseguiu há um ano sua sonhada sede, graças ao Instituto Ekloos, e se formalizou por conta do apoio do Instituto Phi. Carol está otimista quanto a este ano. Quer estruturar ainda mais a organização para levar adiante sua missão de expandir a perspectiva de mundo de crianças e adolescentes por meio da educação e da cultura, contribuindo para o seu desenvolvimento social e humano.
– A ideia é que eles alterem sua realidade local de violência, baixa escolaridade e subemprego, que tenham orgulho de dizer: “Sou favelado, e luto para alcançar meus sonhos.”
Os resultados são vistos a todo momento. No Natal, Hellen, de 14 anos, pediu um livro de presente. Ganhou “Confissões de uma menina adolescente”, de Thalita Rebouças. Recebeu de manhã e no dia seguinte à noite já tinha terminado. Já Cadu, de 13 anos, ao ser perguntado sobre o que o projeto representa para ele, é enfático: “Tudo!”
Com a pandemia, Carol se viu obrigada a parar com os encontros presenciais. Veio a demanda das famílias por alimentos, e ela passou a receber ajuda do movimento Rio Contra Corona, que enviou cestas básicas e kits de higiene e limpeza. Mais de cinco mil famílias foram beneficiadas durante sete meses. Entre elas Viviane Chaves de Oliveira, o marido e os quatro filhos, de 11, 7, 4 e 2. Ela está desempregada e ele ganha um salário mínimo como atendente de uma lanchonete.
– Em meio à pandemia, o Educar+ foi a nossa salvação. Mesmo antes só tenho a agradecer, já que meus três filhos mais velhos participam do projeto. As crianças passaram a se interessar mais por leitura e desenho – testemunha Viviane.
Outra iniciativa que surgiu durante a Covid-19 foi um projeto remoto chamado Game Nós.juntos. As crianças participam de desafios semanais e ganham moedas, que podem ser trocadas por recompensas como livros, brinquedos, pipas e batons. Os participantes fazem vídeos para o Tik Tok, usam o Instagram e o WhatsApp, leem e trabalham temas variados. Numa das atividades, tiraram fotos de locais que consideravam bonitos em suas comunidades. E disseram o que achavam do lugar onde vivem. Entre as respostas das crianças, estavam “um lugar onde podemos brincar e ser feliz” e “um lugar não tão bonito, mas que dá para conviver”. Houve até uma menina que falou:
“Um lugar que, mesmo não sendo tão seguro, dá a chance de pessoas começarem do zero e mudarem suas vidas, tanto para melhor quanto para pior.”
Pois graças ao Educar+ essas crianças têm suas vidas mudadas para muito melhor.
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Atados convida:
Mauro Ventura
Jornalista e escritor
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