Texto por Rafael Pereira e fotos por Letícia Silvério, voluntários do projeto Comunicadores São Paulo (2019).


Tudo na vida tem um início, e foi na infância cheia de dificuldades e uma vida de luta para superar a pobreza e driblar as estatísticas que serviu de combustível para que o jovem Eduardo Lyra criasse o Gerando Falcões. Nascido em uma favela em Guarulhos, Grande São Paulo, viveu em um barraco de terra batida e dormiu em uma banheira azul até os nove meses de idade. Quando ainda era menor de idade, chegou a visitar seu pai no sistema penitenciário e presenciar sua própria mãe nua na revista íntima do presídio.

Luciana Maselli de Almeida, responsável pela área de voluntariado, na unidade Vila Prudente, conta que a ONG Gerando Falcões nasceu de um desejo do Eduardo Lyra, fundador, de levar a favela para o museu e que sua maior inspiração, a mãe, Maria Gorete, sempre o incentivou a estudar, dizendo que não importa de onde você veio, mas para onde você vai. Sua maior vontade era mudar a realidade de crianças e jovens e fazer com as pessoas da favela pudessem chegar ao mesmo lugar que as pessoas do centro chegaram, fazendo a ponte entre o centro e a periferia. 

Luciana explica que a ONG nasceu em 2011, quando Eduardo ainda estava fazendo faculdade e começou a escrever o livro sobre a história da vida dele, intitulado “Jovens Falcões”, montou uma pequena equipe e começou a vender seu livro e foi a partir daí que veio o primeiro dinheiro e após algumas ações em escolas públicas, idealizou o projeto que hoje é o Gerando Falcões.

Atualmente, com o projeto de expansão de 7 para 9 unidades e 30 favelas atendidas até o fim de 2019, a Gerando Falcões é uma organização que funciona em sistema de rede e atua nas periferias e favelas. São cerca de 20 programas direcionados para crianças, jovens e adultos, que trabalham com frentes como cultura e esporte, realizados aos sábados, nos polos, e de qualificação profissional e geração de renda. 

Oficina de Biscuit no Polo Esportivo e Cultural de Poá.

Além de todo esse trabalho com a educação, a instituição tem dois projetos pilares, o primeiro é o Recomeçar, que tem o objetivo de reintegrar à sociedade e ao mercado de trabalho egressos do sistema penitenciário. O segundo é o Gerando Cidadania, que visa promover atendimento e serviços sociais para os moradores de áreas extremamente pobres, sendo a meta atender 40.000 pessoas até o final de 2019.

A organização tem um modelo de gestão e administração muito sólido e similar ao da Ambev, com a presença de indicadores que mensuram o impacto do trabalho, levando em consideração o número de jovens atendidos; os jovens formados pelos cursos profissionalizantes; a empregabilidade de jovens com a ajuda do projeto, entre outros.

“Nós não temos a esperança, nós somos a esperança”, esse é um dos lemas da rede, que acredita na luta diária para mostrar aos jovens e crianças da periferia que eles podem chegar onde quiserem e o caminho para isso é a educação.

O Gerando Falcões desenvolve um importante trabalho de apostar no ser humano, de resgate e sensibilidade para olhar o mundo de outro ângulo. É um projeto que cria condições para que milhares de jovens e crianças possam sonhar, acreditar e serem protagonistas de suas próprias histórias. 

Um grande exemplo de protagonismo é o jovem Gustavo Paes dos Santos, 16 anos, morador da comunidade da Seringueira, filho com mais sete irmãos, e apesar de muito novo já enfrentou e tenta superar grandes desafios, como a ausência do pai e a recente perda de sua mãe. Gustavo é um verdadeiro representante do esforço de um jovem que luta para vencer e ser diferente da realidade em que vive. Quando começou no Gerando Falcões, Gustavo passou por diversas oficinas e sempre chamou a atenção por ser um aluno muito esforçado e diferente dos outros. É descrito pela sua colega Karen como um menino com uma incrível força de vontade e desejo de crescer, colocando-se sempre à disposição para ajudar as pessoas. Além disso, desde quando entrou até agora, passou por uma grande mudança e se tornou uma nova pessoa, muito responsável e pró ativo, e hoje ajuda na coordenação do coral, que tem mais de 200 alunos.

Gustavo Paes dos Santos, voluntário no Polo de Poá.

Gustavo, hoje, não mede esforços para sair de sua comunidade e ir até o Polo, onde participa e não falta nas aulas do curso de qualificação profissional. Gustavo tem uma visão ampla, muitos sonhos e objetivos e sabe exatamente até onde pode ir e onde quer chegar. 

 “O coral para mim é tudo. Eu moro na comunidade bem pobre, estava sem esperança, até que o Edu Lyra foi lá e conversou comigo, me motivou. No começo, passei por diversas oficinas, mas foi o coral que me cativou, me ergueu, me deu fôlego para acreditar na vida. Agora estou fazendo curso de informática também. Ninguém acreditava que a Gerando Falcões fosse virar o que virou hoje, ninguém apostava no potencial das pessoas na comunidade, só sabem julgar. O Edu Lyra é uma pessoa guerreira, bem importante para mim, que me ajudou e hoje só quero melhoras para minha vida, eu vou até o final”.

Considerando a realidade do país – 7 mil favelas pelo Brasil e com 11,4 milhões de brasileiros vivendo nelas – o trabalho da Gerando Falcões é de extrema relevância e de transformação estrutural pela diminuição das desigualdades. O próprio nome vem de acreditar que todo jovem precisa ser um falcão, no sentido de voar maior, enxergar as oportunidades lá de cima, e vir para buscá-las, para agarrar e pensar: eu vou conseguir!

Leia alguns depoimentos dos colaboradores do Polo Cultural e Esportivo de Poá sobre a importância do projeto:

Equipe de colaboradores do Polo Poá.
  • Para Marcos Paulo do Nascimento, voluntário, mais conhecido como professor Bal: 

“Eu fiz uns trabalhos voluntários aqui há uns três a quatro anos, quando eu ainda estava estudando, depois de um tempo eu fui efetivado como professor do futsal masculino e tenho aproximadamente 120 alunos. Não é somente futsal que acontece aqui, eu costumo dizer que brigo todo treino contra o sistema, a gente tem todo um carinho, todo um processo de afastamento da criminalidade, do tráfico, onde o aluno sai da casa dele de frente com uma biqueira, para vir praticar esporte. O nosso foco não é buscar ter um Neymar, mas formar um rapaz digno de um bom trabalho, para que ele consiga tirar a família dele da fome, seja fazendo um curso da Microsoft ou através de estudos em uma faculdade, sempre incentivamos e tentamos mostrar que um favelado não tem apenas a opção de ser um Mc ou jogador profissional de futebol, mas que existem várias outras saídas, dentro ou fora da favela, que ele pode ser um médico, um professor, que ele pode crescer dentro do instituto, tirar a família de uma casa ao lado do rio e não vai ser o tráfico que vai tirar ele desse caminho”. 

Aula de Futebol na quadra do Polo Esportivo de Poá.
  • Para Caroline Augusto Vieira, monitora esportiva: 

“Eu conheci o Gerando Falcões há dois anos através de um trabalho de faculdade. Eu vinha, era voluntária, ficava no futsal e no boxe, era uma coisa que eu amava muito. Eu tive que sair e voltei agora, contratada. O engraçado que antes a turma que eu menos gostava era o futsal feminino e hoje é uma das melhores turmas comigo, acompanho a evolução delas enquanto jogadoras, como pessoas, é sensacional. Nós não formamos apenas atletas, mas cidadãos, é a disciplina, postura, o respeito. É muito gratificante, pois eu sou contratada do esporte, mas acabamos fazendo de tudo e conhecendo das outras oficinas, como as meninas da percussão. Eu gosto muito do que faço, sou apaixonada pela Falcões, não me vejo mais longe daqui, sou professora, faço outras coisas, mas não dá para desvincular”.

  • Para Sanara Necy Leite Santos, voluntária e psicóloga: 

“Eu sou a responsável pelo Polo Poá, estou na Gerando Falcões desde setembro de 2018. Eu acredito e amo fazer parte do projeto, porque é um projeto transformador de vidas, nós somos transformadores sociais, nós levamos esperança para a vida das pessoas e somos a esperança, como o Edu Lyra costuma falar. Fazer parte do projeto é um presente de Deus na minha vida, pois eu sou a pessoa responsável por amenizar a dor do outro, não só isso, levo a vida, a fé, resiliência, empatia, empoderamento. Hoje a Gerando Falcões me dá a possibilidade de exercer a Psicologia com muito fervor e amor por estar aqui com essas crianças e adolescentes, e isso me faz uma pessoa e profissional melhor. Muitas dessas crianças só vão ter contato com uma profissional como eu somente aqui, uma vez que são crianças em vulnerabilidade social, da comunidade. É uma grande oportunidade de mudar a vida dessas crianças e diminuir um pouco do sofrimento que trazem pelo contexto delas”.

  • Kelly Bizerra, voluntária do coral: 

“Para mim o Gerando Falcões não é só uma instituição, é uma ong que muda a vida de crianças. Quando eu entrei no Gerando Falcões, eu passei por diversas oficinas e a que mais me tocou foi o coral. No coral tem todo tipo de criança, mas quando todas estão juntas no palco se tornam um todo e isso é diferente. Quando o Eduardo Lyra fala que o coral Tom Menor é o melhor da América Latina, é porque realmente é. Eu conto os dias da semana para chegar sábado e vir pra ong, é o melhor dia, eu chego e esqueço meu problemas, me dedico totalmente às crianças e ao coral. Teve uma época que eu sai e agora eu voltei como voluntária, pois quando se fala do coral, muitos desacreditam, muitos perguntam quem era o pai do Eduardo Lyra, quais eram as condições do Eduardo, ninguém acreditava que a Gerando Falcões iria se tornar essa ONG que tem mais de 14 unidades pelo país. A Gerando Falcões se tornou realidade, a possibilidade de muitos que não colocavam fé”.

Coral Tom Menor – Polo Poá.
  • Marcos de Oliveira Lopes, professor da oficina de pintura: 

“Estou no Gerando Falcões há 4 anos e a minha oficina começou quando eu fiz um trabalho mostrando a favela e de fundo tinha os prédios de luxo, daí um dos nossos diretores à época viu o trabalho e quis levar para o Eduardo Lyra, pois tinha tudo a ver com a história dele, ele veio da favela. Ele levou os quadros e o Edu amou, inclusive pediu para que eu fizesse 10 na época. Foi aí que surgiu a oportunidade de montar uma oficina, sentamos, planejamos, ele colocou 17 crianças para eu trabalhar e as coisas foram andando. Tudo que eu sabia gostava de ensinar, porque o meu objetivo sempre foi formar novos professores, é passar o conhecimento para a frente e formar discípulos. A questão é muito mais do que dar aula, nós estamos aqui para ouvir as histórias, ajudar, ser pai, amigo, pois eles estudam a semana inteira e quando chegam aqui no sábado querem compartilhar tudo o que aconteceu de bom e ruim com eles, choramos e sorrimos juntos, eles esperam isso da gente. Procuro sempre dar o meu melhor, passar as técnicas detalhadas e mesmo sem eles terem muitas referências, eles conseguem trazer a natureza de dentro deles. Eu percebi e perguntei por que eles pintavam muito colorido e descobri que é porque a vida da maioria deles é acinzentada, cercada de crimes, violência dentro e fora de casa. Nós temos diversas histórias de alunos que chegaram com problemas, aluno com autismo e microcefalia pintando quadros, então é muito gratificante me traz alegria”.

Oficina de Pintura no Polo Poá.

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