Atados convida: Mauro Ventura para contar a história de Carla Lima e da Sons do Bem, associação que oferece oficinas de arte, cultura e tecnologia
Carla Lima entrou em pânico ao ter que interromper as atividades da associação Sons do Bem. Os dois projetos que mantinha em Salvador beneficiavam 160 crianças e jovens, entre 5 e 22 anos, no bairro de Cidade Nova e na área do Subúrbio Ferroviário.
– Quando paramos por causa da pandemia do coronavírus, as aulas estavam bombando. Bateu o desespero. “E agora?”, pensei.
Ela se viu diante de duas opções:
– Ou ficava chorando em casa e corria o risco de entrar em depressão ou me levantava e decidia lutar.
Optou por não se abater. Reuniu a equipe e resolveu continuar atendendo as famílias, mas com doações de cestas básicas. Conseguiu parcerias com organizações como Instituto Ivete Sangalo, Unicef e Itaú Social, e chegou a beneficiar, a certa altura, cinco mil moradores.
– Se já éramos populares, passamos a ser ainda mais.
Ela cita o caso de uma das mães contempladas com cesta básica, material de higiene e lanche. Como não conseguiu levar tudo de uma vez, avisou que ia deixar a cesta. A filha, que estava junto, perguntou aflita: “Mãe, e a gente vai comer o quê?” A mãe tranquilizou a menina: “Venho buscar depois.”
– Ou seja, estamos botando comida na mesa das pessoas, que de outra forma não teriam.
Logo que começou o isolamento social, Carla se cadastrou no Atados, em busca de voluntários. A socióloga Miele Pereira Ribeiro, de Porto Alegre, decidiu a ajudar, à distância.
– Essa conexão Porto Alegre-Salvador foi muito importante para mim, pessoal e profissionalmente. Estava em casa, desempregada, e me senti útil e valorizada, contribuindo para uma causa tão bacana, que me emociona. Foi um presente – diz Miele, especialista em projetos sociais e em captação de recursos. – É desafiador, mas vimos que é possível fazer.
Carla também considerou a experiência gratificante.
– Ela nos ensina e nos orienta a captar recursos.
Carla nasceu em São Francisco, Minas, e mudou-se aos 15 anos para Belo Horizonte. Passou a trabalhar como babá dos três filhos do casal de músicos Gelber Oliveira e Adriana Caldas. Mais tarde, a família se mudou para Salvador e levou Carla junto. Lá, casou-se com Edilson Lima Ramos, que, além de técnico de som do músico Lazzo Matumbi, era instrutor de capoeira e professor de brincadeiras populares do projeto Cirandando Brasil, da Sons do Bem. Encantada com a iniciativa, entrou para a associação. Primeiro na área administrativa, depois na parte financeira e, em seguida, na coordenação da biblioteca comunitária. Corria tudo bem até que a organização, que surgiu em 2001, sofreu um baque em 2010, quando o supermercado Bom Preço parou de patrocinar o Cirandando Brasil. Durante os oito anos seguintes, a Sons do Bem só manteve a biblioteca funcionando. Em 2018 veio outra má notícia: os conselheiros se demitiram, a presidente saiu e Carla foi avisada de que fechariam as portas.
– Chorei por uma semana – conta.
Mas Fernanda, filha da presidente, decidiu continuar e convocou-a para assumir a presidência.
– Nossa proposta é atender crianças e jovens em situação de risco social iminente, por causa da incidência do tráfico de drogas, do trabalho infantil, da violência doméstica e do abuso sexual. Oferecemos outras expectativas de vida, outras possibilidades que não o crime.
Nesses quase 20 anos, foram muitas as conquistas. Há quem tenha se tornado advogado, arquiteto, músico, jogador de futebol, jogador de basquete.
– Só perdemos um único jovem, que foi morto por envolvimento com o tráfico. Foi um dos piores momentos da minha vida. Eu o amava muito, até hoje sofro quando me lembro.
Mas, apesar da perda, ela tem muito o que comemorar.
– Quando você está em um projeto social, transforma tantas vidas que compensa as dificuldades. Você sabe que essa semente que plantou nunca vai morrer. A gente chora e ri juntos.
Adriana Costa, de 38 anos, concorda.
– Não é só uma associação, é a Família Sons do Bem. A Carla se preocupa demais com a comunidade, está sempre presente na minha vida. O projeto é uma bênção – diz ela, mãe de Lara, de 7 anos, e Erick, de 19, que está desempregada e viu o marido, que vive de bicos, ficar sem trabalho.
Antes da pandemia, Lara fazia várias oficinas, de literatura à capoeira, de balé à dança.
– Era uma felicidade vê-la chegar em casa e contar tudo que aprendeu.
Se graças à Sons do Bem a menina descobriu um mundo novo, o mesmo se pode dizer de dona Joanita de Souza, de 68 anos. Analfabeta, ela passava as manhãs na biblioteca.
– No início, ela folheava os livros. Até que me pediu papel e caneta, e começou a copiar as palavras. Passou a levar os livros para casa, e aprendeu a ler e escrever por conta própria – lembra Carla.
Ela aguarda autorização da prefeitura para retomar os dois projetos interrompidos pela pandemia. O de arte e cultura oferece oficinas de capoeira, brincadeiras populares, literatura, teatro, balé, dança popular, violão e iniciação musical. O de tecnologia proporciona oficinas de mídias sociais, computação, fotografia e audiovisual.
Uma decisão tomada durante a pandemia foi passar a atender também as mães. Muitas estão paradas ou sobrevivem na informalidade, fazendo doces, salgados, máscaras ou crochês.
– Vamos impulsioná-las, despertando o olhar empreendedor – garante Carla, que, aos 37 anos, cursa faculdade de Contabilidade.
Ela já conversou com o Senac e montou uma grade com cursos como marketing, currículo, entrevista de emprego, fotografia, cabelereira, maquiagem e design de unhas. Carla pretende lançar ainda um núcleo de desenvolvimento com assistência social, para encaminhar demandas como Bolsa Família, apoio jurídico, para questões como paternidade, e auxílio psicológico.
– Temos crianças muito tristes e caladas, que estão há muito tempo em casa.
Apesar dos obstáculos, Carla não desanima:
– Temos muito amor para dar.
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Atados convida:
Mauro Ventura
Jornalista e escritor
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