Texto por Carina Gonçalves e fotos por Fernanda Cristóvão, voluntárias do projeto Comunicadores São Paulo (2019).

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Instituto Oncoguia combate a desinformação sobre o câncer com orientação de qualidade. 

O compartilhamento de informação duvidosa sobre o câncer prejudica no tratamento do paciente e pode causar a morte de muitas pessoas. Recentemente, uma fake news sobre remédio que curava qualquer tipo de câncer, mas que para isso era preciso deixar de fazer a quimioterapia, levou muitos pacientes a aderirem ao tratamento alternativo por esperança de cura, mas milhares de pessoas acabaram morrendo. Essa história foi contada por Evelin Scarelli, 31 anos, responsável pelo Relacionamento Institucional no Instituto Oncoguia e coordenadora do projeto Causadores Oncoguia.

Orientar é o verbo escolhido pelo Instituto, que proporciona informação de qualidade, educação em saúde, apoio, defesa de direitos e advocacy* de pacientes com câncer. Exercer essa função no mundo atual em que a desinformação impera, torna-se uma missão de conscientizar as pessoas por meio do didatismo de ensinar o que é o câncer, seus tratamentos e mostrando, com depoimentos de outros pacientes, como viver bem com a doença, desmistificando a visão da sociedade sobre o câncer. 

Apesar da facilidade do acesso à informação na palma da mão, ainda há pessoas achando que usar sutiã preto provoca câncer. Isso mesmo! A psico-oncologista Luciana Holtz, que recebia muitas dúvidas pela internet, lançou, em 2003, o portal Oncoguia que cresceu a ponto de se originar um instituto em 2009, formado por um grupo de profissionais da área da saúde e ex-pacientes.

Luciana costuma dizer que foi “capturada” pelo mundo da oncologia. Desde a faculdade escolheu ir para a área de psicologia da saúde, preocupando-se com temas mais complexos como a morte, a dor e o sofrimento humano causado pelo adoecimento. Nessa jornada, seguiu a oncologia visando aliviar, tanto quanto possível, esses sofrimentos.

“Eu fui atrás para criar uma forma de me comunicar com esse paciente que fosse efetiva, levasse informações úteis e com qualidade e que fizessem muita diferença nessa fase da vida que eles enfrentam ao receber o diagnóstico de câncer”, conta ela. Entretanto, o problema está em informações jogadas e descontextualizadas encontradas muitas vezes na internet. Por outro lado, ocorre um impacto positivo no tratamento e na qualidade de vida das pessoas que consomem informações produzidas com cuidado e com um olhar responsável e especializado.

Atualmente, o Oncoguia conta com mais de 60 voluntários em todo o Brasil que propagam ainda mais a missão do Instituto pelo país. Na sede, são cerca de 20 pessoas cuidando de projetos, comunicação, atendimento a pacientes e advocacy. Além de contar com um serviço de WhatsApp para esclarecer em até 48 horas as dúvidas sobre possíveis fake news sobre o câncer. O cuidado com a informação é tamanho que cada um dos mais de 10 mil conteúdos publicados no portal passa por revisão e atualização frequentes. Essa preocupação com os detalhes garante a qualidade do portal.

Caso palavras escritas não sejam o suficiente para esclarecer as suas dúvidas do câncer ou a recém descoberta do diagnóstico de um ente querido, recomenda-se ligar para o canal Ligue Câncer pelo telefone 0800 773 1666 (ligações nacionais e gratuitas). Às vezes ouvir uma voz amiga ajuda mais do que simplesmente a leitura de conteúdos on-line, oferecendo conforto e orientação.

Além do acesso on-line, a equipe estimula cada paciente a ser protagonista do próprio tratamento, procurando informar-se cada vez mais sobre o próprio diagnóstico para poder conversar com o médico e saber mais sobre possíveis tratamentos. Eles encaram a questão com tanta importância, que criam um projeto especial para pacientes com câncer de mama metastático, isto é, quando as células cancerígenas se espalham para outros órgãos além daquele onde se originaram. Pacientes de todo o país com esse diagnóstico recebem um livro elaborado pela jornalista e ex-paciente Ana Michele, com design delicado e um questionário para preenchimento com detalhes do tratamento.

Seja protagonista do seu tratamento

“Quando o paciente se coloca como protagonista, quando eu entendo do meu diagnóstico, me sinto suficientemente forte para tomar decisões”, afirma Evelin. Ao tomar consciência da doença, procurando saber o máximo possível sobre o diagnóstico, conseguindo dialogar e tirar dúvidas com o médico sobre o melhor tratamento, é possível conseguir escolher e entender melhor o processo pelo qual está passando.

Mirela Janotti, 52 anos, chamada pelo seu médico de “musa do câncer de mama”, descobriu a doença em 2006. Há 13 anos ela é considerada de alta, um termo usado após 10 anos da cura, quando as chances de desenvolver a doença é a mesma de uma pessoa que nunca teve a doença antes. Ela comentou que na época do diagnóstico, a sua filha era pequena e a sua mãe foi para ela como uma mãe, irmã e amiga, ajudando-a muito e colocando-a no colo. Apoio da família e dos amigos ajuda muito no processo do tratamento.

Ela chegou no médico e falou “se for para salvar a minha vida, pode até tirar o braço”. Ele, com habilidade, retirou o seio dela e realizou a reconstrução mamária na mesma cirurgia. Após algum tempo, Mirela precisou fazer outra operação, uma tectomia profilática na mama, mesmo processo de remoção das mamas realizado pela atriz Angelina Jolie.

Além das mamas, ela também perdeu o cabelo, o que a fez chorar horrores até a filha dizer: “Pare, pois além de careca você também vai ficar toda inchada”. Desde aquele momento, Mirela parou de chorar para se divertir com a situação usando diversos turbantes, brincando ser muçulmana ou vendedora de acarajé. Quando estava sem sobrancelha, usou rena e colou cílios postiços quando os seus caíram.

Essa experiência a incentivou a escrever o livro “Força na peruca”, que a levou a ser convidada pela diretora do marketing dos laboratórios Roche, Ana Paula, para palestrar a respeito. Desde então, viaja pelo país inteiro contando a sua história. Atualmente, já lançou mais dois livros, o “Mulheres de peito” e “Vamos falar de câncer de mama”.

“Mulheres de peito” conta, em cada capítulo, a história de uma mulher diferente com câncer de mama, que a procurou para compartilhar suas experiências. Já o lançamento mais recente, em outubro de 2019, “Vamos falar de câncer de mama”, é uma caixa com várias perguntas, como “Você já passou batom hoje?”, para os familiares e amigos brincarem com a paciente e fazerem questionamentos visando ajudar a pessoa querida no processo do tratamento.

Uma mulher não é menos nem mais do que as outras por ser linda por fora, ter um belo seio e um cabelão, nada disso é sinônimo de felicidade e força. “A sensualidade e a sexualidade são coisas da nossa cabeça, a gente tem que se sentir bem e bonita do nosso jeito. Mulher não é apenas peitos e uma bunda, você é um todo”, conta Mirela, incentivando as mulheres a se valorizarem e se sentirem belas.

Aprende-se com as mulheres que passaram pelo processo de tratamento a ressignificar a vida. A palavra tem o poder de acolher o próximo, oferecer a ele força e voz mesmo ao passar por um dos momentos mais difíceis de sua vida.

Causadores

Influenciadores digitais com câncer ou ex-pacientes que combatem nas redes sociais as fakes news sobre câncer formam o grupo de Causadores Oncoguia. No começo, eram apenas pessoas sem pretensão de ficarem famosas contando, como um diário de bordo público, aos amigos e familiares sobre os passos do tratamento. Entretanto, eles começaram a ter 5, 20 e até mais de 100 mil seguidores. Alguns contam sobre a vida, maquiagem e comportamento, mas todos falam sobre o processo e a relação com o câncer. 

Coordenada pela Evelin Scarelli, essa rede de voluntários conta com uma equipe de 33 pessoas causando na internet. 

Entre os perfis que fazem parte da rede, conheça a Youtuber Jussara Del Moral, 55 anos, do canal SuperVivente, paciente de câncer de mama metastático. Ela aproveita ao máximo a vida, super vive cada dia sempre com o seu jeito alegre e extrovertido, conversando sobre qualquer assunto sem tabu. 

“Quando se fala de câncer no Brasil e no resto do mundo é algo seríssimo, então não precisa falar apenas de carequisse, pois quem tem metástase raramente está careca”, afirma a youtuber que usa peruca. Falar sobre câncer para essas mulheres é como fazer um balanço da vida, de uma reinvenção de si mesma e de escolher ser protagonista da própria história, seguindo a vida normalmente.

Porém, o normal de Jussara inclui uma rotina cheia de médicos, exames, cirurgias, quimioterapia e tratamentos. Essa nova realidade começou em 2007 com o diagnóstico de câncer de mama, seguiu por 2009 com a descoberta das metástases pulmonares e em chegou a 2013 com as metástases ósseas. Ela acompanhou o crescimento do Oncoguia, ONG que a ensinou a se empoderar sobre o seu próprio câncer. 

Redescobrir a vida e compartilhar como super viver a fez realizar um dos seus sonhos, trabalhar com a área na qual se formou, Rádio e TV, que nunca havia conseguido exercer antes. Naquela época de faculdade, era funcionária pública federal com um ótimo salário e no último ano do curso, ela engravidou. Largar o emprego naquele momento para seguir uma vontade não era uma opção. Mas hoje, como voluntária do instituto, ao ajudar outros pacientes, também está se ajudando e diz ser a rainha dos maridos, por a procurarem para pedir ajuda quando suas esposas se encontram em uma situação como a dela.

Além do projeto Causadores, também ajuda na orientação e acolhimento pela Rede Mais Vida, um grupo do Oncoguia focado apenas em pacientes com câncer de mama metastático. 

Outubro Rosa

Durante todo o mês de outubro, o Oncoguia realiza um amplo trabalho de conscientização sobre o câncer de mama. Uma das principais iniciativas do instituto, foi a criação do Encontro Anual de Pacientes com Câncer de Mama, um evento que conta com especialistas, médicos e pacientes para trocarem informação e esclarecerem dúvidas sobre a doença. 

Câncer de mama é o principal diagnóstico de câncer feminino. Segundo o INCA (Instituto Nacional de Câncer), em 2019, quase 60 mil novos casos de câncer de mama serão diagnosticados no Brasil. Em 2017, 16,7 mil mulheres e 203 homens morreram no país em decorrência da doença.  

Alguns sintomas para prestar atenção e procurar um médico são o eritema (vermelhidão) na pele do seio, presença de nódulo, inchaço, inversão do mamilo, eliminação de secreção pelo mamilo, entre outros. A recomendação para que as mulheres toquem os seios e os observem é muito importante, porém é fundamental a realização de exames como mamografia para rastreamento de tumor e diagnóstico precoce. A mamografia é indicada para mulheres de 50 a 69 anos a cada dois anos, segundo recomendação do Ministério da Saúde.

Nesse ano, o Oncoguia realizou o seu encontro de pacientes no sábado (12/10), no Hotel Radisson Paulista. O evento que antes era apenas para mulheres metastáticas, agora também inclui as pacientes iniciais em tratamento. Foram elaboradas duas salas, uma para cada público, com especialistas, pacientes e ex-pacientes.

Entre as muitas mulheres presentes estava Neisa Casemiro, 56 anos, utilizando um lenço rosa na cabeça. Há 19 anos, ela faz um bolo de aniversário todo ano no dia 15/10 para comemorar a data em que descobriu o primeiro câncer, que foi óssea. Quando começa a curar um tumor, de repente aparece outro. Ela, já teve vários, como na coluna, mama, tíbia, peito, leucemia e agora na clavícula. Antes, há 4 anos, tratava como metastática, mas descobriram ser mutante. 

No evento, Neisa descobriu um novo tratamento para ajudá-la, era visível o brilho da esperança nos seus olhos. Sua mãe havia tido nove tipos de câncer antes de morrer aos 94 anos, com Alzheimer. Quando era pequena, foi entregue à sua tia com papel passado após a mãe ser mandada pela Santa Casa para morrer em casa. 

Outro fator importante a ser ressignificado é o termo superação. Para estas pacientes, superação é conseguir transformar uma situação difícil em algo positivo, como Jussara faz em seu canal no Youtube e Mirela escrevendo livros. Entretanto, Evelin conta sobre a procura de jornalistas por pessoas que superaram o câncer e que para eles superação é sinônimo de cura. Ao indicar metastáticos para entrevistas, a equipe da ONG recebe a resposta de não ser quem estavam procurando.

Super viver todos os dias com o risco da morte é uma superação. Obter a coragem de contar a sua história nas redes sociais para o mundo é superação. Transformar a vida de outra pessoa por meio da informação é superação. 

Campanha de doação de lenços

Como você acha que esse lenço pode ajudá-la?

Essa é a pergunta que se faz ao paciente após a realização do cadastro no site do Oncoguia. A resposta influencia na escolha do lenço que será entregue à paciente que é entregue com uma cartinha preparada por voluntários junto de um tsuru. Os lenços chegam de todo o Brasil por meio de doações de mulheres, normalmente quem já se curaram, e são repassados para uma nova dona, um ciclo do bem. 

Ao chegarem no Instituto, os lenços são selecionados, higienizados, embalados e doados a pacientes por meio de entregas feitas em hospitais ou pelos Correios.  

Esse projeto foi criado pela Evelin, uma pessoa com voz doce e tranquila, com enorme amor pelo trabalho realizado no Oncoguia. Ela estava terminando a faculdade de fisioterapia, em 2006, quando descobriu o câncer de mama e buscou saber mais sobre o diagnóstico através do portal. “A iniciativa veio de um sonho que tive, no qual eu entregava um lenço, o primeiro que ganhei, era um lenço cor de rosa, para uma senhora que eu não conhecia. Então foi o que resolvi fazer, doar os 17 lenços que eu tinha para pessoas que eu não conhecia”, conta o início da sua empreitada com os olhos brilhando.

Após doar os 17 lenços, outras pacientes começaram a fazer o mesmo e Eerlin transformou o seu quarto num escritório, para receber e reenviar os materiais recebidos. Logo, contou sobre o projeto para Luciana Holtz e ofereceu para leva-lo para dentro do Oncoguia.

Luciana aceitou a proposta, desde que Evelin topasse entrar para a equipe do Oncoguia. Assim começou a sua carreira dentro do Instituto na área de comunicação, sobrando da fisioterapia apenas o gosto de estar com as pessoas. Esse sonho cresceu e hoje os lenços são entregues para pacientes do Brasil inteiro, melhorando a autoestima de mulheres em tratamento, espalhando sorrisos e estimulando uma rede de solidariedade.

Aqueles muitos lenços viajantes começaram ocupando o “Espaço cor-de-rosa”. Hoje, o nome mudou para “Espaço do paciente” e, além de lenços, o espaço também conta com a doação de bonés para homens em tratamento de câncer. Atualmente, o projeto envia lenços para o país inteiro sem custo, com cerca de 12 mil doações já realizadas. Também são entregues próteses externas de mama.

Oncologia entrou na minha vida já na faculdade quando eu decidi fazer psicologia e dentro escolhi a psicologia da saúde, ao qual se fala muito de doença. Nessa época, me envolvi e fui escolhendo temas mais complexos como a morte, a dor e o sofrimento humanos causados pelo adoecimento e me aproximei muito da oncologia. Eu costumo dizer que fui capturada pelo mundo da oncologia, mas por saber o quanto é possível aliviar esses sofrimentos e minimiza-lo e trabalhar para que o impacto da doença seja menos dolorido  

Eu fui atrás para criar uma forma de se comunicar com esse paciente que sejam efetivas, tragam informações uteis e com qualidade que façam muita diferença nessa fase da vida que eles estão enfrentando. As informações existem jogadas e descontextualizadas de maneira geral e faz muita diferença ela ser cuidada e preparada, ela ter um olhar realmente responsável e especializado.

*Advocacy: defesa e argumentação a favor de uma causa. “Estuda políticas públicas pensando em melhorar a vida das pessoas”, afirma Evelin.

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