Projeto Flor Gentil dá chance para que flores que seriam descartadas possam alegrar a vida de quem mais precisa de atenção


Era uma tarde chuvosa de segunda-feira quando eu e o Didi saímos da República em direção a Vila Madalena. O nosso destino era a organização Flor Gentil, que recolhe em eventos, arranjos e flores que iriam para o lixo, reaproveitando esse descarte e distribuindo as flores em casas de repouso e para pessoas ou outras organizações que não podem arcar com os custos de uma decoração.

Nessa primeira viagem nós optamos pelo metrô como meio de transporte. Desembarcamos na estação Vila Madalena e caminhamos por cerca de 1 quilômetro até a sede da organização. Ainda na calçada, em frente ao portão, imenso e blindado por chapas de metal, já era possível sentir o cheiro intenso das flores que eram manipuladas pelos voluntários da ONG.

Fomos recebidos com um sorriso simpático pela Cecília, coordenadora da ONG. Como eu já havia conversado com ela por telefone e solicitado a visita, ela me aguardava. O Didi foi o elemento surpresa, no meio do caminho decidi convidá-lo a conhecer a organização e me acompanhar nessa primeira visita. O Edgar ou Didi, como é mais comumente conhecido, trabalha comigo há mais de 7 anos, ele tem síndrome de down. A ideia de convidá-lo foi a possibilidade de ele desenvolver um trabalho voluntário na ONG. Justamente por ele trabalhar na equipe há muito tempo acreditamos que outras experiências de trabalho, mesmo que não remuneradas, seriam de grande valor para o seu desenvolvimento profissional. Ele topou o convite e lá estávamos nós com a Cecília para saber mais sobre o trabalho da Flor Gentil.

Foto de Rafael Públio

O espaço é amplo e lembra um galpão. São várias as mesas onde as flores que chegam são dispostas e as voluntárias (nesse dia só haviam mulheres porque segundo a Cecília a adesão masculina ainda é muito pequena) separam as flores, descartam o que não está em bom estado e começam a montar novos arranjos. O cheiro das flores é intenso e visualmente é muito agradável ver todas aquelas cores e formas espalhadas pelo ambiente.

A Cecília no levou até uma sala nos fundos do galpão, uma espécie de escritório da organização, todo o espaço é de uso compartilhado com um florista, para minimizar os custos com o aluguel. Lá escutamos a história da Flor Gentil: a organização nasceu de um sonho da Helena, uma florista que não se conformava com o desperdício de recursos e das flores após o término de eventos como casamentos, formaturas, festa de debutantes e tantas outras. “Ela sempre escutava as pessoas falando que havia custado tão caro aquela decoração e que iria tudo para o lixo”, contou a Cecília. A Helena também tinha uma relação muito próxima com os avós e quando resolveu reaproveitar as flores a primeira coisa que pensou foi em levar esse carinho para as pessoas idosas que residiam em casas de repouso. Depois o trabalho evoluiu e ela começou a atender também pedidos de outras organizações que precisavam de ajuda para a decoração de eventos beneficentes e até de pessoas sem condições de arcar com a decoração de festas.

Essas ações são encaminhadas para o chamado Fundo Gentil. Todo trabalho é feito com o apoio de pessoas voluntárias. Desde a retirada das flores doadas, até a triagem, separação e entrega dos novos arranjos. Os voluntários aparecem à medida que são necessários. “Não existe uma data fixa ou horário para os voluntários, nós avisamos através de um grupo do whatsapp sobre a necessidade e eles se oferecem quando tem disponibilidade”, explicou Cecília. Apesar de parecer um arranjo um tanto caótico tem funcionado bem e a organização segue atendendo aproximadamente 30 instituições continuamente.

Quando questiono sobre o impacto do trabalho na vida dessas pessoas que recebem as flores a Cecília me conta que as flores resgatam uma memória afetiva, “muitos deles se lembram do seu próprio jardim que cultivavam, da flor que ganharam de um namorado ou da decoração da casa com flores frescas, as memórias são sempre positivas e felizes”, comenta. A cada visita os entregadores proporcionam o resgate de memórias, as flores trazem a tona lembranças de momento alegres, de prazer e beleza além de estimular os sentidos por meio de suas formas, cores e aromas. E os entregadores só conseguem ir embora após a promessa de um breve retorno.

Foto de Rafael Publio

Após essa visita surgiu a oportunidade de participar de um mutirão da beleza para as senhoras residentes nas casas de repouso e lá elas foram presenteadas com os arranjos gentis da organização. Foi durante esse evento que tivemos a oportunidade de registrar esse momento especial da entrega das flores e conversar com essas senhoras.

Na oportunidade do bate papo descobrimos uma pessoa encantadora, a Josemira, que reside no Lar das Mãezinha. Ela nos contou que é poetisa e com o buquê da Flor Gentil nas mãos recitou uma de suas poesia sobre a primavera que dedicou aos leitores do Apanhadores de Histórias (reproduzimos abaixo). Ela nos contou também que tem a história do lar de idosos onde vive guardada em sua cabeça e que é seu sonho escrevê-la. Sem perda de tempo eu a convidei a tornar-se uma voluntária do projeto e ela topou. A semente foi plantada e vai continuar a dar frutos e flores, porque gentileza só pode gerar mais…

Foto por Rafael Públio


Hino em Louvor a Natureza

Por Josemira Luiza Lima

A natureza é uma beleza, é vida, alegria e pureza

Aquele que não se domina, destrói a obra cristalina

Ainda era uma menina e já sentia nela a obra prima

Por ser uma criação divina

Pois veja aquela mangueira que sobre para o céu imponente

Sabes que ela já foi uma simples semente

E a cigarra cantadeira atrás do pé de aroeira

Veja bem o Colibri que está aqui, amanhã ali

Tem aquele belo pé de Ipê pra lhe dizer que amo você

Bem como aquele botão de flor que me faz lembrar do meu amor

Que assim como sou, também era um trovador

E bem assim acontece com a gente

que de uma simples semente

Nascemos pequeninos e inocentes

Portanto esta página é um imenso jardim

A espera da Primavera

Quando verde nos oferta os seus lindos botões

E também um maravilhoso céu azul

Os meus versos são os ventos brincalhões

A cantarem o hino em louvor a natureza

Mãe e protetora, onde nossas vidas escoam

E somente uma certeza acalenta esta poetisa

Por falarmos a linguagem do amor fraterno

O amor dos verdadeiros irmãos

É eterno


Texto: Aline Morais

Fotos: Rafael Públio